Uma mulher apareceu no Hospital Central Auroriano no final
da tarde. Ela não vestia nada além de uma camisola branca totalmente coberta de
sangue. Isso por si só não é tão absurdo, pois se acontece algum acidente, a
pessoa vai direto para o hospital mais próximo em busca de auxílio. E em um
lugar como Aurora, muita gente precisa de auxílio. Mas neste caso em
específico, duas coisas eram perturbadoras de verdade.
A primeira é que a mulher não parecia exatamente “humana”.
Suas feições se assemelhavam a de um manequim, com a pele anormalmente esticada
sob o rosto estranhamente desprovido de sobrancelhas e de qualquer marca,
coberto de maquiagem. Seu nariz era fino e alongado, levemente arrepiado. Seus
olhos eram vidrados e inexpressivos, assim como seu rosto que permanecia
sereno. Ainda assim, seu corpo esguio e quase esquelético se movia de forma
fluida, como um ser humano normal. A segunda coisa era suas grandes presas. Por
conta da forma artificial com a qual suas mandíbulas se prendiam em seu rosto,
não era possível ver seus demais dentes.
O sangue dela ainda estava escorrendo e esguichando por
sobre o tecido branco quando ela entrou no hospital, manchando todo o chão.
Logo em seguida ela abriu a boca e cuspiu uma grande quantidade de sangue para
o lado, logo antes de entrar em colapso e cair de bruços.
A partir daí, ela foi posta em uma maca e foi levada até um
quarto limpo para ser sedada. Neste momento eles perceberam a textura rígida de
sua pele, quase como um papel, cheia de marcas e cicatrizes disformes. Ela
estava completamente calma e imóvel. Após o primeiro susto, os médicos
convenceram-na a permanecer no hospital até que as autoridades chegassem.
Ninguém conseguiu obter qualquer tipo de informação da
mulher e mesmo os membros mais experientes da equipe conseguia manter contato
visual com ela por mais que alguns segundos sem sentir um grande desconforto
por conta de sua aparência artificial.
Ela dormiu durante todo o dia seguinte, o que aliviou os
enfermeiros, que só precisavam chegar perto dela durante breves momentos, sem
ter de interagir com aquela mulher estranha.
Quando ela acordou no início da noite, a equipe médica
tentou examina-la mais a fundo, porém ela lutou com força extrema. Foram
necessários três homens para segura-la em sua cama para que alguém pudesse
chegar perto para tentar sedá-la. Neste momento ela se ergueu com enorme
facilidade, arremessando longe quem estivesse mais perto e ostentando sua
perturbadora expressão em branco.
Ela virou os olhos de vidro para o médico que estava com a seringa
em mãos, mexeu a cabeça de modo animalesco e fez algo estranho. Ela sorriu. Sua
carranca maniqueísta exibiu longas presas afiadas. Não eram dentes humanos, mas
lâminas compridas o bastante para que pudesse fechar a boca sem sofrer qualquer
tipo de dano. Uma enfermeira gritou e entrou em estado de choque.
Ela chegou perto do médico, ainda sorrindo, e este perguntou
em pânico “O que diabos você é?”. Ela arrancou seus braços num único impulso,
logo antes de ouvir a segurança vindo pelos corredores. Nisso ela enfiou seus
dentes no pescoço do médico, rasgando a jugular e a traquéia e o deixou caído
no chão, vivo o bastante para morrer engasgado com o próprio sangue.
Ela se aproximou de seu rosto, apenas para ver a vida findar
em seus olhos.
A única enfermeira que ainda estava lúcida assistiu a
tudo, apavorada debaixo da cama. A mulher se levantou e se posicionou perto da
porta, tranquilamente esperando pela segurança. Ela acabaria com qualquer um
que aparecesse ali...